quinta-feira, 19 de abril de 2012

AQUELA FIGURINHA QUE FALAVA DORMINDO

Meu pai era uma figuraça. Não peguei seu tempo de boêmio em que tocava e cantava na noite porto-alegrense na Orchestra Imperial, naqueles bailes dos anos 50,  mas ouvi muitas histórias.  Casou-se com minha mãe, dona Etelvina, uma linda mulher de olhos verdes ardosiados, cheirando a Rapture ou Charisma, os perfumes da Avon, que ela mesmo vendia de porta em porta. Ele um mulato escuro, cabelo escovinha, vaidoso, malandro...  Quando acabaram-se as orquestras de baile, o lado de industriário teve que se sobressair, mas o boêmio continuava a existir... então ele saia da metalúrgica onde trabalhava e ia se encontrar com os amigos no bar do Sindicato dos Metalúrgicos onde cantava serestas pra alegria dos frequentadores... chegava em casa com chuletas de baixo do braço ou aquela linguicinha fina pro jantar e contava suas histórias.
Quando criança, dividia o quarto com o irmão mais velho. Casa antiga, humilde, com o banheiro na rua... algumas vezes mijavam na cama e fatalmente apanhavam no dia seguinte. Numa madrugada fria, meu pai teve uma vontade louca de fazer xixi, mas lembrando da surra que poderia ganhar e o frio que fazia na rua não teve dúvidas. Levantou de sua cama quentinha e mijou na cama do irmão e voltou pra sua cama seca e quente. Adivinha quem apanhou na manhã seguinte?
Rapazote, queria parecer mais velho, aumentar o volume do bigode... não teve dúvidas, pegou um lápis de cor e passou no bigode e saiu feliz da vida crente que estava agradando devido aos sorrisos e olhares que recebia. Mas ele não devia ter confiado na sua visão que o enganou à luz do candeeiro da sua casa, porque ao invés de pegar um lápis preto, pintou seu bigode com um lápis roxo.
Eu não sei se lembro de ver ou te terem me contado. Uma vez ele chegou em casa com um trofeuzinho de campeão do jogo de escova, (ou escopa), se vangloriando, esnobando... minha mãe afastou os pratos da mesa e disse: pega o baralho que vou te mostrar quem é campeão.  Deu uma “surra” de escova no velho que ele foi obrigado a entregar o troféu pra ela.
Outra passagem tem a ver com o ilícito jogo do bicho. Meu pai contou que sonhou com gatos que caiam do telhado e jogou no numero do gato e chegou em casa furioso que o numero não chegou nem perto. Contou pra minha mãe o jogo e o sonho e ela disse:

- Gato que cai do telhado não é gato, é burro... que bicho deu?
- Burro, respondeu ele...
- Dois burros, né, Jota (apelido do meu pai), tu e o do jogo do bicho.

Meu pai falava dormindo. Minha mãe tinha altas conversas com ele, geralmente ele falava dos colegas da fábrica de pregos, dos amigos de buteco... Reza lenda, que numa madrugada ele acordou minha mãe com seu sonilóquio, dando risadinhas irônicas e falando de um tal “Barriguinha”

- O Barriguinha... hehehe... o Barriguinha é um safado. O Barriguinha é um sem vergonha...
- É, Jota? Porque?
- Porque que o Barriguinha é um sem vergonha? Porque ele tem uma namorada em cada esquina. O Barriguinha não presta!
- Mas quem é o Barriguinha?
- O Barriguinha? Hehehe o Barriguinha sou eu!

O coitado acordou com os supapos, tapas, socos e sendo empurrado pra fora da cama sem entender o que estava acontecendo. Não tinha como explicar. Parece que continuou o sono no sofá da sala.
Assim era seu Jota, meu pai, que durante o dia assistia o Sitio do Pica Pau Amarelo e a noite, dormindo, contava as peripécias da Emilia... 
Ô saudade danada!

2 comentários:

  1. Amado teus posts são sempre ilários,Te amodorooo!!!Bjussss

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  2. Fernando, gostei muito do seu jeito de narrar uma historia repleta de detalhes sem quebrar o ritmo do texto. Ficou detalhado, cômico e natural. Voltarei! A parte do 'Barriguinha' foi show.

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