domingo, 5 de setembro de 2010

AQUELA FIGURINHA DA CAMISETA VERMELHA

Não vamos falar quando isso aconteceu. Uma porque faz muito tempo e eu sou personagem desta história. Mas posso dizer que foi na década mais efervescente e que insistem em não deixar terminar.

Me apresentaram uma menina, maluquinha, falante, como ela mesmo dizia, “nicotina, nicotina”, totalmente adrenalinizada fulltime. Saímos algumas vezes pra tentar nos conhecer. Cais do Porto, Gasômetro, Redenção...
Na saída do MARGS, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul nos deparamos com aqueles ripongas expondo camisetas serigrafadas. Naquele tempo as estampas eram de nossos ídolos, Jin, Jimmy, Janis, Lennon, Che Guevara... e Mickey Mouse. Acho que acrescentaram outros mas "nossos ídolos ainda são os mesmos". Passamos devagar olhando as camisetas sobre uma lona estendida no chão, e quando viu a camiseta vermelha com a tradicional cara do revolucionário argentino em preto esta menina surtou.


- Che Guevara, adoro este cara!



Pegou a camiseta, pôs na sua frente, perguntou preço, falou do sorvete da Banca 40 do Mercado Público pro “bichogrilo” que fazia as serigrafias, largou a camiseta amarrotada na lona, pegou a camiseta com a estampa do Mickey Mouse e repetiu os mesmos gestos, perguntou onde eles, os hippies, fazem xixi, agradeceu o barbudinho, que olhei duas vezes pra me certificar de que não era mesmo John Lennon, e seguimos nosso caminho. Levei a guria até o terminal de seu ônibus, esperei ela embarcar e, na volta, passei pelo riponga da Praça da Alfândega pra comprar a camiseta do Che Guevara e dar de presente pra menina maluquinha. Voltei a pé do Centro até o IAPI. Pow! Ela adorava o cara...



Tínhamos combinado de, no dia seguinte, tomarmos chimarrão no terraço do prédio de uma amiga no final da tarde . Nos encontramos, então, na Praça da Matriz. Eu já tinha passado no Erva Doce e comprado uma cuca integral pra comer com a “tchurma”, guardada dentro da minha bolsa de couro, comprada naquela mesma feira hippie, companheira de muitas histórias, junto com a camiseta do Che que sem mais nem menos entreguei pra ela. (Não consigo lembrar o nome desta figurinha!) Quando ela viu a hering vermelha. Vibrou como se tivesse ganho um vestido do Saco e Cuecão. Não sei como ela fez, mas escondeu-se sob umas pilastras do Theatro São Pedro e saiu de lá usando a camiseta, aquela que usava antes não tenho ideia pra onde foi.

Quando chegamos no terraço, já estavam todos lá. E foi aí que o barraco desabou. Com todo orgulho do mundo ela mostra a camiseta e diz.



- Olhem a camiseta que o Nando me deu! Che Guevara! Um baita gaudério*! Só não sei se ele lutou na Guerra dos Farrapos ou na Revolução Farroupilha**...



Sabe quando a agulha de safira arranha o disco de vinil da primeira à ultima faixa? (Você que nasceu depois de 80 não sabe.) Mas foi este o som que eu ouvi ao invés da gargalhada dos meus amigos. Aliás, os mesmos amigos que me apresentaram esta... menina. Nenhum deles explicou quem de fato foi Ernesto Che Guevara, então me limitei a rir com eles a noite inteira, toda vez que eu olhava pra camiseta vermelha. E pensava comigo mesmo. Eu deveria ter comprado aquela com a estampa do Mickey...
*gaudério é o mesmo que gaúcho ou indivíduo sem ocupação que acompanha outro.
**A Guerra dos Farrapos e a Revolução Farroupilha são dois nomes para o mesmo movimento.









Um comentário: